Ir para praia de autocarro
Vivíamos o final dos anos 80, principio da década de 90, a viagem até à praia de Carreço era feita num autocarro dos anos 60, daqueles que ainda tinham uma escada na traseira, transportando essencialmente crianças e avós.
Chegava-se cedo, mesmo muito cedo. Por ser nesta altura do ano, entre junho e julho, o princípio da manhã era quase sempre fresco e húmido, e o cheiro a maresia dominava o ar. Ao pisar a areia, sentia-se o frio da humidade pelo que era sempre melhor enterrar mais um pouco os pés. Já não se escolhiam lugares, estes eram quase como uma herança de ano para ano, o importante era manter o grupo junto, principalmente as crianças, que apenas queriam pousar a toalha para raramente lá voltarem.
As aventuras seguiam-se nas rochas, na maré vazia, enquanto que na praia convivia-se com a azafama dos apanhadores de sargaço. Essas aventuras eram, como dizem os adolescentes de hoje, épicas. Desde exploração de grutas, passando por conseguir chegar às rochas junto da zona de rebentação das ondas, tudo era feito em grupo sob o olhar atento, mas discreto, dos “avós”. Depois do banho nas revitalizantes e frias águas da praia de Carreço, que diziam rica em iodo, não poderia faltar o lanche para reconfortar e recuperar nova energia.
Quando o sol finalmente rompia o nevoeiro e a banda sonora do farol de Montedor se calava, era, quase sempre, hora de recolher as toalhas, brinquedos, guarda-sois e os incontornáveis guarda-ventos, e voltar ao icónico autocarro que, para além de nos transportar de novo a casa, permitia um certo regresso ao passado.
Um bom exemplo
Foi lendo com interesse várias entrevistas, a vários agentes, que este jornal foi publicando ao longo desta época de futebol. Por norma, foram entrevistas sobre os clubes, sobre a actualidade desportiva ou associativa. Houve uma que me ficou na mente e que, de quando em vez, recordo e me faz pensar no que está por detrás dos atletas, das épocas, até dos clubes, para além do óbvio do dia a dia.
A entrevista foi ao guarda-redes que nesta época defendeu a baliza do Vianense, Daniel Marinho. O atleta foi muito terra a terra, muito aberto, falou do seu passado desportivo, da actualidade e do que pretendia para o futuro. A forma como abordou as expectativas, as desilusões e dificuldades, os sucessos e contrariedades foi desarmante. Mas, para mim, o que se destacou foi a importância que a família, nomeadamente o seu pai, tem para a sua estabilidade e crescimento enquanto atleta. Na entrevista foi perceptível como o sofrimento e regozijo, nas “bancadas”, da sua família, do seu pai, é importante para ele. Independentemente das surpresas, e ele teve tantas, sabe que estarão sempre presentes. Marcou-me perceber essa ligação por vezes tão menorizada.
Nota de rodapé
À hora que escrevo saem os primeiros resultados das legislativas em França. Nós já estamos no mesmo comboio, pelo que seria importante verificar o que acontece nas carruagens da frente. Na França, os extremos estão a esmagar paulatinamente o centro e os moderados. A política das democracias europeias entrou numa mudança que ninguém sabe onde irá parar. A verdade é que os tempos de tolerância, de discussão para encontrar concessões parecem cada vez mais perto do seu termo. Os partidos tradicionais não conseguem, ou não querem, mudar. Continuam o “negocio” como sempre, barricando-se cada vez mais nos seus bunkers. Os resultados estão à vista.