quinta-feira, agosto 14, 2014

Ainda há mergulhos?

(Artigo publicado no jornal Cardeal Saraiva de 8 de Agosto de 2014)
Confesso que ao ouvir aquelas palavras tudo o resto se esvaneceu. As palavras foram "Levei os calções para a eventualidade de poder dar "O" mergulho deste ano no rio". A importância destas palavras está nelas próprias, na forma como foram ditas e em quem as disse. Apesar da pessoa ter consciência do estado do nosso rio, o mergulho anual, para aquele senhor com idade para ser meu pai, soou a uma espécie de ritual purificador ao género do Ganges. 
Essa paixão pelo rio que nos viu nascer é a mesma que ouvi da voz de um sábio idoso de Vilar do Monte que me dizia, em contexto eleitoral, que o grande problema do nosso concelho era onde tinham deixado chegar o "nosso rio". "Viraram as costas ao rio", dizia. Na altura, dei por mim a pensar que até parecia impossível a alguém com a idade do meu interlocutor, de uma freguesia que nem é banhada directamente pelo rio Lima, ter uma tal preocupação pelo mesmo... 
Talvez seja algo intrínseco no limiano. Uma paixão tal que talvez nem mesmo os seus filhos adoptivos consigam vivenciar da mesma, genuína, forma. Ouvir as respostas do presidente da Câmara ou do seu vice sobre o estado calamitoso do rio é, neste contexto, revoltante. 
Primeiro, foi a preocupação em desclassificar aquela que foi a primeira praia fluvial a ter bandeira azul, agora, quase colocam o ónus da poluição periódica naqueles que a denunciam. O vice-presidente, que durante muitos anos teve negócios dependentes do rio, que até afirmou que, há mais de 20 anos, pressentiu que mais tarde ou mais cedo o rio se iria defrontar com a praga infestante que actualmente enfrenta, que já exerce cargos autárquicos a tempo inteiro que até lhe permitiram uma reforma, o que é que fez para minimizar ou erradicar o problema? O presidente da Câmara, que até desempenhou por vários anos o pelouro do ambiente, já falou com os seus homónimos de forma a tomarem medidas conjuntas de combate às infestantes? Como podem simplesmente fechar os olhos às constantes descargas, aos saneamentos a céu aberto como o que se pode, por vezes, verificar junto ao Festival de Jardins? Até quando é que se vão esconder atrás de desculpas para não fazerem nada? 
Lamento profundamente que a geração dos meus filhos seja a primeira a não "saborear" o rio que corre junto aos seus pés. Foi por isso que as palavras descritas anteriormente, ditas de forma apaixonada, me marcaram. O rio Lima, que até nos empresta o nome, deveria ter outro trato, deveria ser motivo de outro respeito.

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