domingo, janeiro 16, 2022

Alto Minho, artigo de 12-01-2022

Apocalíptico

Quem, de repente, acordasse de um coma de alguns anos, ao ligar a televisão ou ao descobrir as redes sociais, entraria novamente em coma pelo ataque que teria ao verificar que estaríamos à beira não de um, mas vários acontecimentos apocalípticos. De vulcões, a doenças, do desmoronar da economia mundial, às movimentações populacionais em massa. Tudo é tratado como apocalíptico, profetizando o fim próximo da humanidade. 

A sociedade do imediato parece precisar do espetáculo apocalíptico, passando de cenário dantesco em cenário dantesco, como que se mudasse de filme numa qualquer plataforma digital de conteúdos. 

A verdade é que nos entram pela nossa casa estas “realidades”, seguidas por vários comentadores, especialistas, técnicos ou simplesmente “bons falantes” que acentuam o caracter excepcional e calamitoso da “nova realidade vivida” que, claro, nos trará o fim ou o limiar do fim da humanidade. 


Mas será assim?


Os meus avós nasceram na chamada Grande Guerra. A 1º Guerra Mundial, considerada, então, a “mãe” de todas as guerras, que, embora não tivesse destruído o mundo, trazia uma nova ordem, uma ordem que não permitiria que algo tão destruidor voltasse a acontecer. Ainda em crianças tiveram que lutar contra doenças, como o tifo ou a gripe espanhola, responsáveis pela morte de muitos seus conhecidos e vizinhos. Na adolescência, viram o fruto da guerra civil espanhola. Décadas depois ainda contavam histórias de refugiados que, com a ajuda das populações portuguesas, cruzavam os campos, escondendo-se nos montes e valados para fugir da fome e dos horrores da guerra fratricida. Chegados à juventude, cumpriram o serviço militar com as nuvens que a 2º Guerra Mundial emanava da Europa. Foram tempos de fome, destruição sem precedentes (batalhas com dimensões nunca vistas por toda a Europa, bomba atómica detonada em duas cidades japonesas…), extermínio e crimes contra humanidade (os campos de concentração nazis e os comunistas da URSS). Mais tarde, sentiram a angustia pela probabilidade de assistirem à partida do filho ou do futuro genro para uma guerra colonial sem sentido. Já só nos seus 50 e muitos é que puderam viver em liberdade, e nos seus 60, 70 comprovaram o consolidar da democracia. 

Apesar disso tudo, viveram. Criaram a sua família, os seus negócios para sustentar a família e criar novos horizontes. Não tinham redes sociais, a comunicação social foi na maior parte das suas vidas censurada, porém, apesar da época e dos acontecimentos ocorridos, conseguiram o grande objectivo de não perder a fé nem a esperança, de lutarem por um futuro para os seus e para a sua comunidade. 

Foram pessoas normais, comuns, mas com sentido de Vida. Passadas mais de 3 décadas do seu falecimento, ainda sou confrontado com quem me recorda como eles marcaram a sua vida tão somente porque nunca viraram a cara à comunidade e fizeram sempre o que acharam que devia ser feito. 

Os nossos avós são, nestes tempos que parecem e nos “vendem” tão apocalípticos, bons exemplos para nós. Apesar de tudo, mesmo na sociedade do “espetáculo”, é sempre possível manter a esperança, é possível manter a fé, se cada um de nós fizer aquilo que precisa de ser feito, no tempo em que tem de ser feito.  

Sem comentários: