domingo, março 27, 2022

Alto Minho, artigo de 23-03-2022


Para a memória coletiva


Escrevo esta crónica num domingo à tarde. O tempo está agradável e sente-se a Primavera que entra. São muitas as pessoas que atravessam a ponte medieval limiana, observam as calmas águas do rio Lima ou as andorinhas que já fazem o seu voo acrobático por cima da ponte, descendo e cruzando os arcos, inundando o ar com o seu chilrear. 

Um cenário idêntico poderiam ter vivido, há 6 gerações, os limianos que atravessavam a ponte no final de Março de 1809. Infelizmente, não seria assim. Viveriam uma experiência muito próxima da que agora vive o povo ucraniano. As tropas francesas continuavam por Portugal. Depois de tomarem Braga, a caminho do Porto, de forma a construir um corredor entre o norte de Portugal e a Galiza, deslocaram dois batalhões, comandados pelos generais Hendelet e Lorges, para Barcelos, seguindo juntos para tomar Ponte de Lima e, aí, atravessar o Lima rumo às outras localidades do Alto Minho. Chegaram no dia 8 de Março, tendo encontrado a resistência dos habitantes que ajudavam as parcas tropas portuguesas na defesa da vila limiana. 

Para impedir o avanço francês, foi destruído um dos arcos da ponte, o mais próximo de Arcozelo, tendo sido montada uma peça de artilharia na torre que existia junto da igreja de Santo António da Torre Velha, a uns metros do sitio onde escrevo estas linhas. A resistência foi tal que os franceses só dois dias depois é que conseguiram atravessar o rio, mas por Refoios. O arrabalde da Além da Ponte, em Arcozelo, pela resistência que colocou ao seu avanço, foi um dos mais devastados, quer pela artilharia francesa, montada nas Pereiras, quer, depois, pela ocupação das suas tropas.

O pároco de Arcozelo foi bastante explícito nos registos de óbito, descrevendo a sua causa como “morto pelos soldados franceses”. É o caso de Micaella, solteira, que morava no arrabalde de Além da Ponte. No seu registo de óbito, podemos ler que foi morta em casa pelos soldados franceses, a 9 de Abril, e que o seu cadáver foi jogado ao rio Lima pelos seu algozes. Encontramos também o registo de óbito de Gabriel Gomes, da Freiria, também na Além da Ponte, que, tendo sido morto em casa, foi sepultado no seu quintal. Noutro registo, o pároco sentiu-se na obrigação de registar o motivo pelo qual Antónia Luiza não ter recebido a extrema unção, sendo ele o de o general francês ter dado ordem para “matar todo o homem que nesta freguesia aparecesse”, pelo que o pároco não foi chamado para o serviço religioso.  

As topas francesas foram implacáveis, basta consultar os livros de óbitos das paróquias de Santa Maria dos Anjos (vila de Ponte de Lima) e de Santa Marinha de Arcozelo onde constam folhas e folhas de óbitos ocorridos entre os dias 8 e 12 devido à ocupação francesa. (Ver em em http://digitarq.advct.arquivos.pt/ os livros de Arcozelo na cota 3.12.4.18 e os livros de Santa Maria dos Anjos na cota 3.15.2.2)


Dizemos, presente


Porque temos de ter memória coletiva, porque não foi assim há tantas gerações que vivemos algo parecido, é bom perceber que a nossa comunidade limiana não fica indiferente às horríveis consequências da invasão russa da Ucrânia. Para além da recolha de bens, promovida pela associação Humanitária dos bombeiros de Ponte de Lima, que mobilizou centenas de limianos, a Santa Casa da Misericórdia, em articulação com a União das Misericórdias Portuguesas e com a colaboração do Município de Ponte de Lima, está a receber refugiados ucranianos. Saibamos, enquanto comunidade, recebe-los no nosso seio. 


Efeméride


Completam-se hoje, dia 23, 155 anos do nascimento do general Norton de Matos, um dos nossos melhores. Para comemorar, deixo a sugestão de pesquisarem na página web do Arquivo Municipal de Ponte de Lima, no fundo da Casa Norton de Matos, a subsecção sobre o “arquivo” do general.